Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

O segredo da palavra diplomacia

Entre a Hungria e a Venezuela, o trabalho sutil de quem tem 'diploma'

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Você sabe que está na hora de falar da história da palavra "diplomacia" quando o governo brasileiro endurece o tom com o regime autoritário de Nicolás Maduro, que até então apoiava, e um furo espetacular do jornal The New York Times revela ao mundo o estranho serviço de hotelaria oferecido ao ex-presidente Jair Bolsonaro pela embaixada da Hungria.

Diplomacia é uma palavra relativamente recente em nossa língua, aqui chegada nos anos 30 do século 19 —mais ou menos no tempo em que nascia no Rio de Janeiro um certo Machado de Assis. Era importada do francês "diplomatie" com seu sentido atual.

A palavra original, porém, provinha de um substantivo e adjetivo de significado bem diferente, "diplomatique". Datado de 1708, este queria dizer, segundo o referencial Trésor de la Langue Française, "ciência que tem por objeto os diplomas, cartas e outros documentos oficiais, sua autenticidade, sua integridade, sua idade e suas variações ao longo do tempo".

Ex-presidente Jair Bolsonaro dentro da embaixada da Hungria, ao lado de um funcionário não identificado
The New York Times revela ao mundo o estranho serviço de hotelaria oferecido ao ex-presidente Jair Bolsonaro pela embaixada da Hungria - Reprodução NYT

Como se vê, a semelhança entre o diploma —palavra nascida no grego com o sentido de documento dobrado ao meio— e a diplomacia está longe de ser uma pista falsa. Sim, trata-se de vocábulos aparentados, mas o que um tem a ver com o outro?

A primeira hipótese é de uma simplicidade desconcertante. Hoje quase exclusivo, o sentido restrito de "documento concedido por uma instituição de ensino", segunda acepção de diploma no Houaiss, obscurece o que foi cronologicamente o primeiro em nossa língua, "documento oficial emitido por uma autoridade, que concede um direito, um cargo, um privilégio".

Neste, mais genérico, há vestígios de uma passagem quase secreta do diploma para a diplomacia. Entre os tais direitos concedidos pelo poder estava, segundo o dicionário de latim-português Saraiva, a "autorização de viajar à custa do Estado" —e negociar em nome de uma nação.

Essa filigrana etimológica estaria codificada ainda hoje no ritual em que embaixadores apresentam, como primeiro ato no cargo, suas "cartas credenciais" ao chefe de Estado do país para o qual foram nomeados.

A segunda tese vê em diploma, no caso, uma metonímia do conjunto de acordos, tratados e outros documentos que regem as relações internacionais. Não é impossível que os dois fatores tenham contribuído para o sucesso da palavra.

O certo é que a atividade dos funcionários do Estado dedicados às relações internacionais virou "diplomatie" na língua de Charles de Gaulle —que, como tantos generais, não gostava da categoria e legou à história uma diatribe famosa: "Os diplomatas são úteis apenas com tempo bom. Assim que começa a chover, eles se afogam em todas as gotas".

Nenhuma surpresa nisso. Pelo menos em termos ideais, o trabalho de diplomatas consiste em evitar guerras. O dos generais depende em última análise de que elas não sejam evitadas.

Por falar em generais, é importante lembrar que na próxima segunda-feira, 1º de abril, o golpe militar de 1964 completa 60 anos. A ditadura corrupta e assassina que ele inaugurou durou até março de 1985.

Tempo suficiente para que eu me transformasse de bebê em adulto, com muita aula burra de moral e cívica e muito medo difuso de dedos-duros de entremeio. Eu tive sorte. É sobretudo em respeito às vítimas diretas da violência do Estado e seus descendentes que a data não pode passar em branco, como Lula gostaria que passasse.

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